quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

estesia


terei hoje de fazer uso abusivo de todo pronome em primeira pessoa, principalmente os que se põem em primeiro lugar, ligeiramente antecedidos dos precoces. uma dúzia de meses merece sempre mais que uma dúzia de dezenas de fogos multicores, merece um pedido de perdão pela preguiça desavergonhadamente enunciada. merece toda sorte de elogios pelo frio que orientou meu medo e minha aflição, e que me fez abraçar a mim mesmo e supor a proficiência dos hormônios. metade da dúzia (estou pouco certo) me fez adoecer a mente com pensamentos de dúvida sobre as proposições do mundo, sobre onde andaria minha franqueza, que temeu enfrentar a inexpressividade do talento. inclusive dúvidas sobre a própria signifcação de "talento". foi descoberto que para talento é mister paciência, sendo um o fato do outro. a outra metade elucidou circunstâncias, instaurou instâncias instantâneas e instáveis, suavizou este espírito cansado de se aborrecer com a pele oleosa de suas idéias. esta face mais intumescedora (adoro este radical-chave-título, sem mesura!) dos meses deu gargalhadas desconsertantes, e estas reverberavam por vales de consolação e enleio. esta face ainda se lembrou de aproximar alguns corações insistentes na faculdade incauta do encanto e do gozo, para depois fazê-los seguir por outras veredas não menos tortuosas e igualmente misteriosas. não há por que o eu que aqui se imprime se arrependa de alguma calçada mal frequentada, há nisso tudo um estilo tão próprio do autor vaidoso de seu traçado ligeiro e simples, há em cada mês dessa duas juntas um acre divertido, disposto a mais umas boas léguas de escárnio de si, disposto a dois bilhões de outros corações (muito bem espaçados), há inclusive um bailado aéreo (um corpo cadente) cuidadosamente ensaiado em cadência aleatória, mas proposital e sonora, que se apresenta em um sonho cumprido de noite e banhado a boa energia. nem a mais poética das calculadoras pesariam com igual deslumbre a formosidade dos dias doismilinoveanos; foram temperados com ervas sinistras, danadas, purgantes, mas (que bom!) também salutares, naturalíssimas, estésicas, sinestésicas, estéticas e, acima de muito, poéticas...
deixo nesta data minhas mais ardidas saudades de todo o contentamento promovido e das dores provadas. deixo também a nota promissória de novos absurdos e novas vontades já sabidas insaciáveis. devo ao vizinho futuro, não nego, pago com a ousadia!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

coleta seletiva
















de tudo, o mais terrível
é a onda que morreu na praia embaçada
salgada das pedras pintadas de sol
bordando o tapete de cor duvidosa, aerosa

de tudo, o mais sensível
é o choro funesto do amigo de longe
ferido num flanco chamado astúcia
mentiu que voltava, comprou mais sapatos

de tudo, o mais possível
é o vento gatuno de bem de manhã
que esconde o que veio do lado de lá
cheiroso do dia, fedido da vida

de tudo, o mais audível
é a raiva secreta do amor elidido
tocada em nota de teclas quebradas
o coalho no leite azedo de si

de tudo, o mais risível
é o sincero desterro das idéias loucas
no espaço medroso dos olhos do rei
é ver que quem vê perdeu a legenda

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

ciceramente



não vejo por que eu não possa brincar agora com a imagem do outono que se pôs em mim, quando foi preciso reconfigurar o que se ousa chamar de amor. o amor esteve cansado das bocas que nada sabem do fraterno. gritam, gritam, gritam e não sabem cantar. eu vi cantar. eu intumesci. eu vi brilhar o verde que enchia de frescor o tecido dos meus pés impávidos do terreno úmido, de pedras impassíveis. eu vi chover e pensei nos pássaros que se sacodem na copa de árvores farfalhantes. pensei nos seus dedos que explicavam a metafísica da nota sonora-surda. inventei-me visitante dos teus braços caudalosos, que me expulsavam de mim e me faziam pertencente a um coro trágico-grego, esquecido de si, pluralizado nos insetos hidrófilos. era a vida de tudo enquanto, era a vida de teus amigos, de teus discípulos, era a minha vida brigando pra ser um pedaço da tua, era uma pausa no final da linha do riso, buscando o fim do alumbramento, e não se acabava, e não se cansava de ser o enleio dos meus dias fatigados. o amor não é nada daquilo que dizem e desdizem, é aquilo enterrado no teu peito inflado de tanta arte, nos teus olhos translúcidos da mais sincera vontade de que o rio do meu pensamento venha lamber os teus ouvidos saudosos da palavra suave. os segredos por ti encerrados em meus tímpanos virginais só os fazem mais virginais ainda, e dispostos de um lustre capaz de cegar o mais fiel dos amantes. é teu meu espírito indignado com o desencontro natural das mentes ansiosas. são tuas minha simplicidade e minha simples idade. disponha o pouco que sou na dízima periódica dos teus futuros anos, e não terei nunca benefício mais bem concedido e impagável. se tu soubesses o festival que me foi proposto com tua chegada, ciceramente, seria preciso renomear todas as coisas e criaturas dispostas no manto da terra, para depois dizer que o amor foi coisa que tu inventaste como pretexto para fazer escorrer as mais perfumadas singularidades de ti. tenho dito, creio na tua altivez com cada pêlo do meu corpo, em cada curva intravenosa, com todo o meu recôndito, em todas as minhas células...
[assim sendo, peço que fique e reinstaure o amor]

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

até tu, brutus?

[
Os dedos da minha mão - sem repetição e sem o apoio dos dedos dos pés - são suficientes para a contagem de quantas vezes acertei quem seria um bom candidato ao cargo de amigo(a). Hoje, tenho certeza de que esse é um posto de candidaturas arriscadas, ainda mais com a classe política dando tantos maus exemplos. Que não se pode tomar o todo devido uma parte, isso já é sabido desde bem antes de o Tratado de Tordesilhas ser assinado. Certa vez até ouvi falar que, em outras palavras, a melhor previdência privada é uma amizade bem cultivada. Mas por qual motivo será que temos tanta crença na relevância de uma amizade? Sempre que precisei testar um amigo tive que despender tanto esforço que, se a relação não vingou, restaram-me sequelas acutíssimas, como a dúvida de que se a prova não tivera sido, por si só, uma denúncia de inabilidade para o companheirismo. Com o tempo e os candidatos, fui entendendo que se tem uma faculdade que não precisa de teste ou entrevista, ela se chama Amizade. Daí por diante, comparo a Amizade a uma religião: existem muitos bons motivos para acreditar nela, mas se as perguntas forem investigativas demais, podem se elevar pontos que desenvolvam um desestímulo a manter a fé; ou mesmo um estímulo a trocar de credo/partido. Um amigo é uma entidade que nos aparece apenas como prova de que podemos estender nossa capacidade de admitir a vida. Admitimos a nós mesmos e a ele amigo. Quanto mais amigos cultivamos, mais possibilidades admitimos. Se servir, um consolo aos que não têm amigos ou têm somente algum: não dependemos viciosamente de alguém que nos mostre possibilidades, as próprias frustrações advindas da incapacidade/impossibilidade de lotar a(s) vaga(s) de amigo(s) nosso(s) já nos explana a ocasião de muitas adversidades da vida; aliás, o insucesso naquele processo pode até nos remeter a outras estéticas. Não quero aqui confirmar uma razão de ser das guerras, da infidelidade, do fundamentalismo, e de tudo o mais que não implique amistosidade; mas se é possível conviver com um conceito promíscuo de Amizade, é, da mesma forma, possível confundir um amigo com um jornaleiro que nos anuncia a estréia de um novo título de revista, muito provavelmente interessado na popularidade da mesma e, portanto, no seu lucro.
Os meios que se utlizam para a construção de uma afinidade são de caráter tão duvidoso quanto a própria certeza de que um homem é mesmo capaz de se interessar desinteressadamente por outro.
Ser amigo é entender que não há em qualquer outro lugar do universo outra face semelhante.
E Viva a Proclamação da Repulsa !!!
Bom Feriado.
]

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

figura ativa

de um excesso
de permissiva-idade,
lá pelos idos
da Idade da Escrita,
uma senhorita mui formosa,
[promissora
[profunda
[ambiciosa
[dogmática
que atendia por Gramática,
resolveu que seu corpo
teria tantas curvas
qual fosse o poder
do indivíduo Escritor
tomá-las para demarco.
enfim, sós, os dois,
mas não por muito.
não achando
nome que abarcasse
a imensidão de suas criaturas,
resolveram que não seria cria,
nem fartura,
mas, de certo,
Literatura.
e se meteram a juntar fortuna,
como quem
separa as pernas pra amar.
normatizaram, por extensão,
que quem nascesse
fora de ordem
se chamaria vício.
e na ordem, figura.
como sendo natural
de cada ser que se dedica
mais ao(s) outro(s) que a si,
e daquele(s) que se dedica(m)
mais à(s) vida(s) alheia(s),
os dois ganharam corpo.
não o corpo que passeia
na boca e no coração
dos estetas,
um corpo disforme.
um(s) corpo(s)
que não se sabe onde principia(m)
menos ainda onde finda(m),
tendo que são um
o motivo e ação do outro.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

déspota esclarecida

cinzenta São Paulo
como cinza são os assentos dos que são tolerados

de vestes justas
espiadas pelos olhos injustos que não vêem mas riem

cheirosa de modernidade
e fede o rio que parou afogado pelo mar que corre
em faixa
múltipla

imunda pelo mundo cão
que se limpa na arrogância de quem não olha para baixo
e abaixa

cercada de janelas
e livres ficam os olhos que não têm o que mirar - [alvo fácil]

passadas velozes, calçadas velozes, buracos velozes
lentamente se adem ao céu, vez por outra pulam pra subir

calada no polvilho do asfalto
barulheira da desordem dos que nascem sem lar, sei lá

alegre nos títulos de mais-mais
escondida do sol tristonho que convida e expulsa
dissolvendo as migalhas migrantes...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

amaríssimo

Alguns dizem por aí que gostar é coisa menor que amar, é um quase lá sem pretenção nenhuma de o ser; apreços que inventam passeio pela memória de quem sente. Mas, ao ler certo romance machadiano, notei que há ainda outra versão de gostar, uma que me parece até mais natural, em comparação ao que até agora foi divulgado; não que a versão do famoso escritor seja a verdadeira, e também não quero conceber que ele tenha tentado persuadir o leitor disso, embora eu tenha; no máximo, achou a questão atraente.
Se o termo fosse inédito e me aparecesse assim com urgência de decodificação, eu diria que deriva de gosto, e que gosto deriva de quem prova. Ora, provar é, e será por muito tempo, a forma mais fidedigna de se conhecer ou descobrir algo. Mas não aquela prova forçosa em que se empenham os desafiantes; uma que se faz com paciência e desapego. Provar é liberar as amarras paulatinamente, como o leite que vasa do seio materno, perfumando e estimulando o sonho ainda pouco complexo dos recém-nascidos. Provar é ir levando gosto, é gostar os pedaços aos pedaços, é brincar de adivinhar quem ou o que carrega este ou aquele sabor, cheiro, textura.
Parece aqui já aparecer uma delicada diferença entre o gosto e o amor: há os que amam, para depois gostar; e então falamos dos que comem com fome demasiada, e nem mastigam nem modelam a porção por medo da dissolução; há também os que gostam, para depois amar; e vejo que esses seguem os processos do parágrafo anterior, posto que já estão (ao menos em tese) eficientemente experimentados das coisas ou seres que lhes vieram como prova; e há ainda os que gostam e amam [não necessariamente nessa ordem] a um só tempo, numa celeuma parecida com indecisão, confusão.
Entre o gostar e o amar, passam o olhar, o cheirar, o tocar, o modelar, o alterar, o enjoar, o desgostar, o comparar, o despertar, o duvidar, o mastigar, o confirmar, o abandonar, o processar, o filtrar, o apaixonar, o falhar, o suportar, o delirar... e até mesmo o adoecer, que não termina com o ar, mas precisa dele [nunca necessariamente nessa ordem].

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

poeminha ordinário [o indício]

eu invejo a mulher de boa vida
que derrama sua beleza grosseira e humildemente montada para homens
grosseiros e humildemente sinceros consigo mesmos
e invejo igualmente os homens, que se iludem que são retos e se dobram para o que lhe é natural
todos participando do teatro sexual


eu invejo a mulher de salto
que equilibra o mundo nos calcanhares e verte um rio de tristezas, às escondidas
sem saber que mundo é esse, o que dele esperar, nem se as pernas vão agüentar
todas orando para um deus encontrar

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

26 a zero pra mim


descobertas todas as fórmulas milagrosas da felicidade, ainda não revelaram a de efeito mais rápido: o tempo.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

manual do ridículo


1. Geral:
- design de desenho desajustado;
- feito para caber num vão;
- suporta arquivos de diversos níveis semânticos;
- esta estrutura reconhece arquivos invisíveis e divisíveis;
- driver que dirige alterado em plena lei seca;
- memória de tamanho comprometedor;
- entrada para os fundos, saída para nada.

2. Introdução:
Instale o mini-riso do tamanho de sua preferência antes de usar a estrutura. Moderação ao conduzir os acessórios, por favor leia este manual com cuidado. As funções e o desempenho podem mudar sem comunicação prévia.

3. Conhecendo seu aparelho
*Quando a tela mostrar um espaço em branco, significa que os pintores levaram os escritores púberes para comer fora.
*Um ícone do bom senso piscará se persistir divergência entre um candidato e outro. Ao sinal deste, nunca desligue a estrutura bruscamente, os acontecimentos seguintes denunciam-se por si só, e mostram que o acordo é sempre provisório, até que os bueiros se entupam de si.
*Teclas de orgasmos múltiplos, presentes na parte medial do aparelho, devem ser acionadas cada vez que se desejar obter um resumo do dia e o relatório apresentar défict de dopamina.
*Acesso a internet ilimitado, desde que sejam determinados parâmetros de similaridade entre o que se produz e o que se quer visualizar. Jogue-se na rede e faça corrente para que o boto não emerja travestido de piranha.

4. Funções
- Se você está na angústia de PLAYtear coerências nesseSTOPicos, peço que ao MENUs respeite a vaidade; e assim VOL+ sem saber se devo, porque VOL- confiante da destreza, se o vento a LAST da cidade provou quão fuNEXTa é a vida de quem é cONvocado ao absurdo e pouco OFFerece à massa amorfa.
(versão)
- Se você está pensando em TOCAR uma sem PARAR pra pensar nas OPÇÕES que o contato promove, provocar + ou - VOLUME pode levar ao ÚLTIMO momento oportuno ou ao PRÓXIMO enredo bem produzido.

5. Garantia
Que quaisquer valores associados a Sartre terão as duas faces forjadas numa só: POR-SI.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

no fim dar

um grão me fez chorar
chorar me fez zangar
zangar me fez culpar
culpar me fez ferir
ferir me fez pensar
pensar me fez duvidar
duvidar me fez procurar
procurar me fez achar
achar me fez conhecer
conhecer me fez comparar
comparar me fez acreditar
acreditar me fez mentir
mentir me fez tremer
tremer me fez fugir
fugir me fez perder
perder me fez aprender
aprender me fez sonhar
sonhar me fez criar
criar me fez maior
>
maior que um grão de qualquer coisa que me faça chorar.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

severina idade

É de ser puxado pelo braço que tenho reclamado aos vizinhos mais severos. As manhãs de ventanias azuladas sopraram as peças íntimas deixadas para perfumarem os azulejos semipermeáveis. Permeiam quase toda a umidade, mas não isolam o banzo que sublima dos olhos de quem chora o flerte gasto numa tarde besta de sábado. É saudade dos ratos que vinham subjugar a natureza de qualquer gato desinteressado; falta do pirulito de sabor frutoso, que mais valia pelo grude que pela essência; ou sentimento dum furo na câmara de ar em que está acomodado o carinho de primo, que difere e assemelha a face que logo ficará exposta à catraca e aos pés apressados.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

idioma


Ontem mesmo, sentado num canto da cama, mirando uma tv que não conseguia me dizer uma só palavra de recarga, notei que meu pensamento flutua várias vezes entre uma idéia e outra quando isso é tudo que ele tem de mais importante para fazer. Lembrei dos índios, que recebiam fascinados a presença dissimulada do invasor branco, como se este fosse fruto cuja árvore a natureza esqueceu de revelar. A única informação que aqueles anfitriões poderiam elaborar a respeito dos seus penetras era que não eram gente de estilo simples, carecia ainda que estes últimos mostrassem que meia dúzia de naus encerradas de madeira pau-brasil não esgotavam sua cobiça para que se formasse um paradeiro mais ou menos determinante do perfil da raça de além-mar. Tendo em vista o exposto, retomando minha fala inicial, digo que a memória desse ocorrido não me é aleatória; que terão os selvagens achado daquela visão? Maravilhado-se com a descoberta de uma espécie, até então, mais rara que certas aves que só os visitavam em temporadas; ou assombrado-se com a possibilidade de aquilo tudo ser não mais que um distúrbio natural (gente descolorida em terras de sol potente), sinal dos deuses, sinal dos tempos? E daí por diante seguem outras dúvidas, visto que os nativos ainda ouviram muito falar de pau-brasil, cana-de-açúcar, missões, preciosas, extermínio, etc. Tocando novamente a idéia primeira, constato que o fruto da novidade não se processa em mim principalmente pela simples apresentação de um novo sujeito ou objeto, mas sim pelo conjunto de confrontos que apresento a esse inédito. É como se o novo falasse outra língua e eu estivesse buscando os cognatos. Alguns desses cognatos são falsos, mas eu sempre insisto em pensar que cair no erro de usá-los é o preço que se paga por ter de falar todas essas línguas e não falar nenhuma delas. Quantos falsos cognatos aqueles primevos genuínos americanos terão presenciado em lugar da verdadeira intenção? Quantas vezes tive eu de flexionar meu verbo mais à pronúncia do estrangeiro (novo)? E para que? Para saber com qual língua é mais fácil de agarrar o mundo. Assim, considero novidades palavras que inicialmente não compõem meu vocabulário, e que tenho de decidir se pertencem a esta ou aquela língua, porque desse bom entendimento surgirá meu bom equilíbrio no viver. Talvez por isso eu pense demais recluso a um canto da cama, vou selecionando as novidades, pondo aqui e ali, se a este ou àquele idioma pertencerem. Ainda é possível duvidar que existe uma língua universal? Eu acho que sim. Eu ainda duvido, duvido muito.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

do MMs ao SSs

Ao MM, pelo SS, foi feito um convite para ir lá em casa tomar licor de genipapo. Do convite, brotaram questões correlatas. Sentimos então a necessidade de desenvolver certas proposições paisagísticas; da necessidade vieram o desejo e a afronta. Questionado sobre uma personagem que o pôs com sua feição amantada de contente, ele revelou, sempre dizendo a ela própria, como um homem enfezado:


MM: Tu eras uma bailarina cega, deslizando soniferamente por imensos degraus de saudade – tuas mãos se acostumaram a deitar obscuras nas curvas do dia seco. O dia era seco, e seco também era teu silêncio...


SS: Qual planta foi cabresto para o feitio das edificações e de toda a mobília que estão assentadas em sua alma?


MM: Vi o gesto cansado que teus olhos turvos ofereceram ao vazio da sala. Pude ver teu desespero e teu ódio se afogarem num mar de gargalhadas calmas. Vi a ponte que se lançou quando tu abriste as cortinas novas, as pálpebras que remexiam na gaveta carente, o medo que te humilhou quando tuas costas clamaram pelo berço. Senti o gosto de madeira que tua língua jogou em meus ouvidos, a insegurança dos teus dedos tocando a terra virgem, o calado festival dos seios inundando o banheiro, já frio de sentidos.


SS: E o que dela vinha era vacilante?


MM: Tu não estavas morta e estais aqui agora, sustentando com fidelidade o fardo de ser o que sofre – e também o que se deleita. O gosto palpita, o queixo ignora a sensação serena de desabar sentada sem nada dizer. Tu estás inteira, mas inteira em parte, porque teus sonhos desembocam em caminhos tortuosos, porque teus braços tremem de insegurança, pois o calor recebe a flecha bruta e intolerante.


SS: Ouvem-se barulhos de caldos de um rio subterrâneo. São gemidos? São dela? Sabe?


MM: Sei. Alguma fantasia se esconde debaixo das tuas lindas sobrancelhas, tenho certeza que no leito que tu esperas caberá mais paixão que o suor dos teus ombros imunes. Vejo os tropeços e arranhões, mas é a doce sensação de andar com outros pés ao lado que te causam a maior saudade, e são as lágrimas que sempre querem merecer teu rosto... As coisas da tua sina são os mesmos batuques do meu atormento. Navegamos nas mesmas turbulentas águas, traçamos a mesma rota – e demos a caçoar do mapa. E eis que tudo se faria agora – presente, neste instante, em alguma direção: a natureza triunfante dos corpos se enfrentando em pleno dezembro. Deste choque corpulento gerou-se uma manhã branda e cristal, em que eras “uma pequena” a sorrir num vestido branco com girassóis dourados estampados e eu era um “cavaleiro andante” a desbravar mais um cômodo da casa.


SS: Existe alguma areia das desconstruções arranhando os vossos olhos?


MM: Teu sermão era pequeno e meu egoísmo grande – na brutalidade das diferenças o tempo constrói as nossas roupas. Abraçamos a mesma almofada colorida, pintamos com o mesmo pincel, só não demo-nos as mãos, pois estávamos ocupados em acariciar os mesmos calcanhares de outrem. Somos sujos e fiéis. Improváveis, cruéis e vulgares. E também somos o caldo explosivo e descompassado dos anos dourados. Qual será nossa resposta diante da fúria?


SS: Isso, MM, é vez de tuas interrogações; abre-te!


MM: Somos o que não fomos. O que seremos? A natureza me impressiona mais do que a beira da terceira margem. Quero descansar meus livros no teu colo... Tu me deixarias entrar descalço em teus cabelos?


Findo o genipapo, recolhemo-nos cada um à sua respectiva miséria. Ei, MM, obrigado pelo passeio.

Cheiro.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

com-fusão

a vida em si
não é uma coisa tampouco outra.
a vida é a fluência dos extremos.
é o sangue que circula,
a veia condutora

heterozigose:

internet – igreja
apetite – solidão
saudade – futuro
ignorância – culpa
felicidade – dor-de-dente
confusão – fiador
guardanapo – destemor
músculo – ironia
céu – despretensão
ferida – perdão
muro – comunhão
fundamentalismo – Coca-Cola
pedestre – habilitação
suor – segurança
amigo – promessa
verdade – criança
Vygotsky – ego
preservativo – casamento
cadeira – iniciativa
mesa – livre-iniciativa
barulho – indiferença
pano – liberdade
épico – lírico
preço – abstinência
plano – verba
fidelidade – paixão
dinheiro – senzala
belo – útil
vitória – aprendizado
mendigo – oportunidade
esperma – nojo
desculpa – vontade
(............–............)
[espaço reservado à imaginação do leitor]

quinta-feira, 23 de julho de 2009

a patia


um verbo do passado:
relembrar
{ }

um verbo do presente:
arriscar

  • dó em ti
um verbo do futuro:
duvidar

  • do ente
um verbo adoecido:
desistir

  • doente

*em referência às últimas dele: "quando vc adoece ele adoece! estou vivo. obrigado Stehepahane!" (Alan Sampaio)

quinta-feira, 9 de julho de 2009

tempo e espaço





Há quem atribua ao acaso os acontecimentos diários que nos empurram para a dúvida, a dúvida sobre se o sucesso tocar-nos-á o ombro com um tapinha, querendo dizer "há quanto tempo, hein!". Destino. Há quem dê autoria e autoridade a um(s) deus(es) a certa projeção/progressão de tempo e espaço. Religião. Há ainda quem acredite que o acende e apaga do Sol seja uma obra viva/móvel de uma sequência de eventos que não determinam agentes, mas que concorrem para pontos em comum e subseqüentes. Profecia. Há um outro bocado que se intumesce de poder agendar cada ocasião do toque do calcanhar no chão e cuidar para que, no caso de um passo em falso, um plano B seja logo posto em suplência, quando pouco, um plano C. Método. Há ainda uns outros tantos que tomam isso tudo supracitado como um mero placebo para os mistérios da arte de viver. Permissão. E então se segue uma boa quantidade de outras tantas categorias de viventes, que minhas imaginação e memória não abarcam.
Viver exige tempo e espaço especiais e adequados. Sem uma idéia demarcada de tempo, sou incapaz de decidir se devo ir por este ou por aquele meio, se devo dizer adeus ou até logo, se posso forçar o minuto bônus ou deixar pra amanhã à tardinha ou nunca mais. Sem uma idéia demarcada de espaço, foge do meu poder decidir se devo ou não explorar meu potencial de guerrilha, se uso este ou aquele palavrão, se faço muitos ou nenhum amigo, se viajo pra esta ou aquela cidadezinha. Talvez o que determine a disponibilidade dessas duas variáveis seja a vontade que tenho de alcançá-las e os meios que eu utilizo para.
Concomitantemente ao que penso em como ganhar mais tempo, perco-o. Ao procurar para onde expandir minhas fronteiras, se desfazem outras tantas logo atrás de mim. Então, tenho de me conformar que sou um ser limitado. Não pelo espaço, nem pelo tempo, mas pelo uso que faço dos dois. Fazer a este ou àquele tempo, neste ou naquele espaço, implica um abandono provisório do que já passei e de onde já estive. Provisório porque já senti e ainda hei de sentir muitas saudades de tudo, e esse banzo seria o percurso inverso à descoberta do novo. Descobrir é acenar ao que foi e dar boas vindas ao inédito. A menos que seja possível dizer tchau e como vai? a um só tempo. Mas, veja, que incoerência!
Que me perdoe o passado as gentilezas para com o presente, que me perdoe o detrás devido ao diante. E vice-versa, quando for o caso. Quero tudo que caiba no meu espaço e no meu tempo, e que eu não abuse da paciência desses dois, sendo eles tão importantes quanto minha fome de consumí-los.
Parafraseando Pompeu e, por extensão, Fernando Pessoa, Viver não é preciso. É preciso mesmo ter espaço onde, e tempo para deixar vazar todas essas idéias.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

eu linguajo, você linguaja, eles linguagem

De todas as faculdades características de cada ser humano, a linguagem é uma das únicas que só se completa quando confrontada com o "outro", o que está "fora", o que não é "eu mesmo". Ainda que eu pense que posso interagir comigo mesmo, devo tratar os dois "eus" como agentes diferentes: um que fala e outro que diz de volta, ou outro que somente ouve um falar. Retomando a estória do(s) homem(s), imagino que Deus devia ser um ser que não era, e que nem tinha era, pois a história (ainda que estória) se faz pela ação (ou mudança) e pela sucessão dos homens. Mediante o tédio, Deus soprou vida no homem. Como este falasse quase nada e nem tivesse mesmo do que falar, posto que tudo era paraíso, arrancou do homem um pedaço duro e fez germinar um homem com a parte de cima e sem a parte de baixo, diga-se mulher. Como visto, Deus sozinho não fazia oração, aliás, nem verbo tinha. Mas de nada adiantou montar o par, o homem não tinha roupas a serem passadas, nem a mulher via novelas, e nada era conflito. Foi preciso uma traição e uma cena de nu total para que se fizesse um livro. Vê-se logo que quem não tem com quem falar não se satisfaz, e quem não tem do que falar não faz idéia.


Hjelmslev, lingüista que era da opinião de que a linguagem não se refere ao mundo físico enquanto "coisa" mas sim ao mundo de sentido construído pelo homem, faz a seguinte associação entre sentido e linguagem:


A linguagem - a fala humana - é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. A linguagem é inseparável do homem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela o seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana. Mas é também o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta com a existência, e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador. Antes mesmo do primeiro despertar de nossa consciência, as palavras já ressoavam a nossa volta, prontas para envolver os primeiros germes frágeis de nosso pensamento e a nos acompanhar inseparavelmente através da vida, desde as mais humildes ocupações da vida cotidiano aos momentos mais sublimes e mais íntimos dos quais a vida de todos os dias retira, graças às lembranças encarnadas pela linguagem, força e calor. A linguagem não é um simples acompanhante, mas sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento; para o indivíduo, ela é o tesoura da memória e a consciência vigilante transmitida de pai para filho. Para o bem e para o mal, a fala é a marca da personalidade, da terra natal e da nação, o título de nobreza da humanidade. O desenvolvimento da linguagem está tão inextricavelmente ligado ao da personalidade de cada indivíduo, da terra natal, da nação, da humanidade, da própria vida, que é possível indagar-se se ela não passa de um simples reflexo ou se ela não é tudo isso: a própria fonte do desenvolvimento dessas coisas.
(Hjelmslev, 1975: 1-2)

A linguagem é uma obra diária de cada um de nós e somente feita para o conjunto, ainda que não pelo conjunto; mesmo assim com função somente no conjunto. A Lingüística cuida da pesquisa e descrição de muitos fenômenos da linguagem, mas se não há como dar conta de todos os fenômenos, por serem cada vez mais inéditos, tenho para mim que será a um só tempo desesperador e extasiante escolher por qual caminho trilhar, mas nunca inútil e vão.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

a-terra-do-sempre


há muito tempo
numa terra muito distante
mas não tão distante
para a qual
a questão to be or not to be não tenha chegado.
vieram plantar ovos.
é proibido.
faca de dois gumes.
resolveram outras questões
dentre as quais, a primordial:
o ovo ou a galinha?
ora, nasceram galinhas.
os ovos são vermes nojentos e sadios
a galinha sim é podre,
vaidosa e imunda,
foi pro céu.
o céu é o subsolo.
a terra engravidou
o bucho cheio
mas come como um suíno insano
da ponta dos dedos dos pés
até a última pena da vaidade.
morte precoce
mas a terra é atemporal,
faminta.
não nascem ovos
plantam-se ovos
nascem galinhas.
deliberaram regras sortidas:
a galinha nasce do ovo;
o ovo não nasce;
a galinha morre;
galinhas são como políticos
um meio que a terra encontrou
de dar sentido
à existência do ovo-esperança.


Premissa maior
Premissa média
Premissa menor
Catástrofe.

os meios nunca
justificam o extremo.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

arte drástica


é
silêncio
onde
não
houver
canto.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

lixo lunar


nem o que está por vir
nem o que se produz agora
é descarte
de tal proporção
que toque
a medida do número
de tuas palavras de engodo.
mais podre sou eu
que te deixei
soprar à minha audição
festivais calculados.
não, meu bem
esqueça (!)
os satélites estão na moda
e não funcionam como antes.
a imprensa marrom
me disse que não devo desistir
pois Maria Madalena,
por muito menos, se recompôs.
acho que ainda sei
a prova dos nove
mas de nada me serve,
visto que o vácuo
ainda me excita
mais a saudade
que teus espasmos de oxitocina.
é tentador utilizar os oblíquos
mas desliza
com menor gravidade
fazer paródias tolas
com tuas metáforas.
os abutres gemeram
que será mais fácil
coletar a ti,
visto que tuas fases
são indistintas
plagiáveis
recicláveis.
"mantenha a cidade limpa."
é lamentável
que ninguém denote
a salmoura que sangra
do teu pedantismo.
se pegadas
queres lascar,
esquece meus psicologismos,
que é aquilo
que te sobras de mim.
nalgum lugar
está preservado
meu voyeurismo dedicado,
que erateu,
e lastimo que agora
o que a ti se destinava
se perdeu e se forjou em
massas flutuantes,
despojos desimportantes.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

épico


sem perceber
quase sem perceber
fui-me afastando de mim.
a beirada do que sou desabou,
e subiu uma nuvem de poeira,
como querendo encobrir o estrago,
como dizendo que o de antes
era vago.
sem ver
quase sem ver
pus o dedo no gatilho
trajetória elíptica.
abri mão do meu tato
pra viver em escaladas
nas nuvens
que te formam silhuetas.
são fantasmas
que aliviam o enfado,
que me lembram do mel
de lamber até cochilar.
quero o banzo que escorre
de minhas tardes fúteis,
quero mesmo é contigo
que foges
quando falo de amanhã
de manhã.