quinta-feira, 27 de setembro de 2012

usucapiãO

havia uma criança morando na minha janela
foi embora no meu derradeiro sono.
levantei com um gosto amargo de amanhã
aquela cica que a lágrima rabisca
aquele dia a mais na semana que passou.

de dia, moram dois grilos na minha janela
pra dentro um grita 'dó', pra fora um chora 'si'.
é tanta música nessa casa
que eu nem sei mais cantar um fado
eu só sei ouvir
eu só sei pular com pernas de inseto, rápido.

se é noite, eu não choro
eu não choro mais tarde da noite
eu não rio mais cedo do dia.
mais cedo ou mais tarde, é um furto
é a tomada assombrada do diafragma
é um bicho que rói a ruga do rei da minha cidade natal.

quando li escrito que a parte que me cabe
não cabe mais naquele latifúndio,
foi a reforma sangrária mais párea de mim
que houve.
e que os novos inquilinos saibam muito bem
do mal das novas instalações.
e que os novos moradores nunca se esqueçam
de que o bom mito à casa torna (para renascer).