quinta-feira, 30 de julho de 2009

com-fusão

a vida em si
não é uma coisa tampouco outra.
a vida é a fluência dos extremos.
é o sangue que circula,
a veia condutora

heterozigose:

internet – igreja
apetite – solidão
saudade – futuro
ignorância – culpa
felicidade – dor-de-dente
confusão – fiador
guardanapo – destemor
músculo – ironia
céu – despretensão
ferida – perdão
muro – comunhão
fundamentalismo – Coca-Cola
pedestre – habilitação
suor – segurança
amigo – promessa
verdade – criança
Vygotsky – ego
preservativo – casamento
cadeira – iniciativa
mesa – livre-iniciativa
barulho – indiferença
pano – liberdade
épico – lírico
preço – abstinência
plano – verba
fidelidade – paixão
dinheiro – senzala
belo – útil
vitória – aprendizado
mendigo – oportunidade
esperma – nojo
desculpa – vontade
(............–............)
[espaço reservado à imaginação do leitor]

quinta-feira, 23 de julho de 2009

a patia


um verbo do passado:
relembrar
{ }

um verbo do presente:
arriscar

  • dó em ti
um verbo do futuro:
duvidar

  • do ente
um verbo adoecido:
desistir

  • doente

*em referência às últimas dele: "quando vc adoece ele adoece! estou vivo. obrigado Stehepahane!" (Alan Sampaio)

quinta-feira, 9 de julho de 2009

tempo e espaço





Há quem atribua ao acaso os acontecimentos diários que nos empurram para a dúvida, a dúvida sobre se o sucesso tocar-nos-á o ombro com um tapinha, querendo dizer "há quanto tempo, hein!". Destino. Há quem dê autoria e autoridade a um(s) deus(es) a certa projeção/progressão de tempo e espaço. Religião. Há ainda quem acredite que o acende e apaga do Sol seja uma obra viva/móvel de uma sequência de eventos que não determinam agentes, mas que concorrem para pontos em comum e subseqüentes. Profecia. Há um outro bocado que se intumesce de poder agendar cada ocasião do toque do calcanhar no chão e cuidar para que, no caso de um passo em falso, um plano B seja logo posto em suplência, quando pouco, um plano C. Método. Há ainda uns outros tantos que tomam isso tudo supracitado como um mero placebo para os mistérios da arte de viver. Permissão. E então se segue uma boa quantidade de outras tantas categorias de viventes, que minhas imaginação e memória não abarcam.
Viver exige tempo e espaço especiais e adequados. Sem uma idéia demarcada de tempo, sou incapaz de decidir se devo ir por este ou por aquele meio, se devo dizer adeus ou até logo, se posso forçar o minuto bônus ou deixar pra amanhã à tardinha ou nunca mais. Sem uma idéia demarcada de espaço, foge do meu poder decidir se devo ou não explorar meu potencial de guerrilha, se uso este ou aquele palavrão, se faço muitos ou nenhum amigo, se viajo pra esta ou aquela cidadezinha. Talvez o que determine a disponibilidade dessas duas variáveis seja a vontade que tenho de alcançá-las e os meios que eu utilizo para.
Concomitantemente ao que penso em como ganhar mais tempo, perco-o. Ao procurar para onde expandir minhas fronteiras, se desfazem outras tantas logo atrás de mim. Então, tenho de me conformar que sou um ser limitado. Não pelo espaço, nem pelo tempo, mas pelo uso que faço dos dois. Fazer a este ou àquele tempo, neste ou naquele espaço, implica um abandono provisório do que já passei e de onde já estive. Provisório porque já senti e ainda hei de sentir muitas saudades de tudo, e esse banzo seria o percurso inverso à descoberta do novo. Descobrir é acenar ao que foi e dar boas vindas ao inédito. A menos que seja possível dizer tchau e como vai? a um só tempo. Mas, veja, que incoerência!
Que me perdoe o passado as gentilezas para com o presente, que me perdoe o detrás devido ao diante. E vice-versa, quando for o caso. Quero tudo que caiba no meu espaço e no meu tempo, e que eu não abuse da paciência desses dois, sendo eles tão importantes quanto minha fome de consumí-los.
Parafraseando Pompeu e, por extensão, Fernando Pessoa, Viver não é preciso. É preciso mesmo ter espaço onde, e tempo para deixar vazar todas essas idéias.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

eu linguajo, você linguaja, eles linguagem

De todas as faculdades características de cada ser humano, a linguagem é uma das únicas que só se completa quando confrontada com o "outro", o que está "fora", o que não é "eu mesmo". Ainda que eu pense que posso interagir comigo mesmo, devo tratar os dois "eus" como agentes diferentes: um que fala e outro que diz de volta, ou outro que somente ouve um falar. Retomando a estória do(s) homem(s), imagino que Deus devia ser um ser que não era, e que nem tinha era, pois a história (ainda que estória) se faz pela ação (ou mudança) e pela sucessão dos homens. Mediante o tédio, Deus soprou vida no homem. Como este falasse quase nada e nem tivesse mesmo do que falar, posto que tudo era paraíso, arrancou do homem um pedaço duro e fez germinar um homem com a parte de cima e sem a parte de baixo, diga-se mulher. Como visto, Deus sozinho não fazia oração, aliás, nem verbo tinha. Mas de nada adiantou montar o par, o homem não tinha roupas a serem passadas, nem a mulher via novelas, e nada era conflito. Foi preciso uma traição e uma cena de nu total para que se fizesse um livro. Vê-se logo que quem não tem com quem falar não se satisfaz, e quem não tem do que falar não faz idéia.


Hjelmslev, lingüista que era da opinião de que a linguagem não se refere ao mundo físico enquanto "coisa" mas sim ao mundo de sentido construído pelo homem, faz a seguinte associação entre sentido e linguagem:


A linguagem - a fala humana - é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. A linguagem é inseparável do homem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela o seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana. Mas é também o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta com a existência, e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador. Antes mesmo do primeiro despertar de nossa consciência, as palavras já ressoavam a nossa volta, prontas para envolver os primeiros germes frágeis de nosso pensamento e a nos acompanhar inseparavelmente através da vida, desde as mais humildes ocupações da vida cotidiano aos momentos mais sublimes e mais íntimos dos quais a vida de todos os dias retira, graças às lembranças encarnadas pela linguagem, força e calor. A linguagem não é um simples acompanhante, mas sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento; para o indivíduo, ela é o tesoura da memória e a consciência vigilante transmitida de pai para filho. Para o bem e para o mal, a fala é a marca da personalidade, da terra natal e da nação, o título de nobreza da humanidade. O desenvolvimento da linguagem está tão inextricavelmente ligado ao da personalidade de cada indivíduo, da terra natal, da nação, da humanidade, da própria vida, que é possível indagar-se se ela não passa de um simples reflexo ou se ela não é tudo isso: a própria fonte do desenvolvimento dessas coisas.
(Hjelmslev, 1975: 1-2)

A linguagem é uma obra diária de cada um de nós e somente feita para o conjunto, ainda que não pelo conjunto; mesmo assim com função somente no conjunto. A Lingüística cuida da pesquisa e descrição de muitos fenômenos da linguagem, mas se não há como dar conta de todos os fenômenos, por serem cada vez mais inéditos, tenho para mim que será a um só tempo desesperador e extasiante escolher por qual caminho trilhar, mas nunca inútil e vão.