quinta-feira, 28 de novembro de 2013

geográficO

de onde eu venho
os bêbados são os seres mais sublimes

cospem nas estrelas do Bilac

maceram a rosa do Drummond


de onde eu venho

não vem mais ninguém

ou porque perderam a amizade do rei

ou porque não sabem andar a pé


pr'onde vou

erguem-se pirâmides de saudades

boicotam-se os filhos naturais

apedrejam-se muros de ópio


pr'onde vou

não vai mais ninguém

ou porque havia uma pedra no caminho

ou porque eu sou o meio do fim




quinta-feira, 21 de novembro de 2013

pó de estrelA

Todo homem carrega uma pedra no bolso dos seus pesares. Pra alguns a pedra é de um peso crucificante, pra outros a pedra é fundamental, pra alguns outros a pedra é o contrapeso de toda sorte de encantamento que a vivência promove. Porque me parece que uma pedra é sinal ou signo de uma coisa muito primeira, para não dizer primitiva. Quando ainda não são pedras polidas ou lapidadas, elas resumem a conjunção de substâncias que se aglomeraram pelo peso dos anos, pela afinidade da liga, pela inquietação do ambiente. Um homem não deve amaldiçoar sua pedra, mas o contrário acontece com muita naturalidade. Depois de reconhecida e aceita a sua pedra, um homem deve fazer dela poeira de seu tempo, reflexo de seus impasses, apontamento de suas dores. Não há homens sem dores, impasses ou atribulações; há homens que não sabem onde carregam suas pedras, não sabem de sua massa, pensam que pedra é só peso, deixam as pedras para os poetas. Sábio é o homem que assume a sua, que não anda com sete delas nas mãos, que não a arremessa nos bolsos alheios. Por mais descartável que pareça ser um pedregulho qualquer, lembremos que ele é a herança de vidas cheias de bolsos, cheias de pesares; largos ou vazios, amargos ou macios.


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

em tempestivO

















peço, mamãe, que retome o fio da novidade
e redesenhe a figura do menino que nasceu pálido e sem exatidão

devolva as panelas aos armários e dispense os convidados

desminta o festival anunciado em dias de sábado por ocasião do natalício

arranque os cabelos brancos que você mesma me cedeu via sangue

e costure uma rede fresca e espalmada em que possa planejar invernos amenos

difame todas as companhias dele, sejam homens ou mulheres

canalhas ou putas

condes ou mademoiselles

para que nada nele seja perverso ou doirado demais

não demore em providenciar outro pai

que a história tem dado provas de que a tríade

o quarteto e outros múltiplos

vão bem combinados quando mais inclusivos que exclusivos

e este novo menino, mamãe, não ficaria nem camponês

nem cosmólatra demais

por favor, se lembre de dar novo colégio a este reprojeto

queime seus livros de poesia modernista

adote por conta própria abecedários com pinturas pontilhistas

que é pr'este neófito se divertir bem muito

cansar do furdunço e sonecar

e que se refaça em bom contador de sinceridades cheirosinhas

tenha ainda a bondade de fazer esta criatura acreditar ao menos no sideral

ensinando a desconfiar dos cantores mentirosos de não ligar pra amantes

evite chorar durante todo este processo

afim de que ele não reflita novamente sua doída propensão ao bem comum

à simpatia e ao amor aos homens de brilho formidável

por fim, mamãe, peço que solte a mão deste menino

que ele quer se dependurar no fio da poesia

e não ser mais ninguém

e não ser mais nada

além duma página em branco.

 

 [o sabiá assobiou sabino!]

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

alteridadE

A cidade inteira é um arsenal de instigações.

São erguidos monumentos calcários, são moldadas parafernálias de cores férreas, são impregnadas pinturas retilíneas nas paredes e nas placas. Isso tudo vai enchendo a gente assim de questões, de modo que a gente passa mais tempo realocando as imagens anteriores e menos respondendo ao desejo premente das recentes.

Quando mini-mundo se encorpa a este ponto de dar medo de não saber mais onde ele termina, o que é que a gente faz com as coisas que são conhecidas e são ainda assim hiperatraentes? Dá uma vontade bendita de verter a presença das coisas íntimas e amadas em monumentos, parafernálias e pinturas do contra-fluxo da superveniência das coisas surgentes.

E digo mais, a inconveniência do texto é a mesma que a cidade me provoca: um objeto parado num canto da mente, observando os outros flutuarem no entorno, esperando uma colisão.


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

cavernA

Desenvolveu-se em mim, repentinamente, uma vontade ardida de saudar o mistério da noite com seus pingos silvestres. As gotas evitavam o meu rosto, como os próprios olhos evitavam enxergar as coisas molhadas do meio da rua. As pupilas dilatavam-se, expulsando a preguiça de viver no banho-maria do sono perdido (e do sonho vencido). Foi na véspera disso que esqueci completamente de me perder nas fissuras do dia, lá quando o sol se enrola no algodão da nuvem cinza e finge que não volta mais. O sol tem o fingir mais mal dissimulado que eu já presenciei, dá pra saber direitinho quando ele não quer conversa alguma, dá pra saber até bem se há algum ensaio de eclipse na minha alma. Porque o sol nunca vai dar conta de ser tão funesto como a noite, porque o sol não sabe se despedir chorando e enxugando o choro com lenço argênteo. A noite é o princípio de qualquer umidade!

[dedicado ao futuro do meu pretérito]

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

é tardE


Essa noite, aconteceu em mim um sonho perturbador.
Encarei homens de face abrupta
Homens que não souberam decifrar qualquer enigma
Homens que nem sabiam que enigmas existiam.

Usavam vestidos que lhes davam autoridade
E nada perguntaram sobre a cor da coisas vivas
Nem sabiam que perguntas existiam.

Já de dia, aconteceu de uma realidade me ser serena

Espantei-me com a face do dia que caía
E com a existência da face de um só homem
Solícito, solicitado
Homem que soube me verter simples, descomplicado
Nem sabia que eu sabia que perguntas persistiriam.

Anoiteceu!