quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

estesia


terei hoje de fazer uso abusivo de todo pronome em primeira pessoa, principalmente os que se põem em primeiro lugar, ligeiramente antecedidos dos precoces. uma dúzia de meses merece sempre mais que uma dúzia de dezenas de fogos multicores, merece um pedido de perdão pela preguiça desavergonhadamente enunciada. merece toda sorte de elogios pelo frio que orientou meu medo e minha aflição, e que me fez abraçar a mim mesmo e supor a proficiência dos hormônios. metade da dúzia (estou pouco certo) me fez adoecer a mente com pensamentos de dúvida sobre as proposições do mundo, sobre onde andaria minha franqueza, que temeu enfrentar a inexpressividade do talento. inclusive dúvidas sobre a própria signifcação de "talento". foi descoberto que para talento é mister paciência, sendo um o fato do outro. a outra metade elucidou circunstâncias, instaurou instâncias instantâneas e instáveis, suavizou este espírito cansado de se aborrecer com a pele oleosa de suas idéias. esta face mais intumescedora (adoro este radical-chave-título, sem mesura!) dos meses deu gargalhadas desconsertantes, e estas reverberavam por vales de consolação e enleio. esta face ainda se lembrou de aproximar alguns corações insistentes na faculdade incauta do encanto e do gozo, para depois fazê-los seguir por outras veredas não menos tortuosas e igualmente misteriosas. não há por que o eu que aqui se imprime se arrependa de alguma calçada mal frequentada, há nisso tudo um estilo tão próprio do autor vaidoso de seu traçado ligeiro e simples, há em cada mês dessa duas juntas um acre divertido, disposto a mais umas boas léguas de escárnio de si, disposto a dois bilhões de outros corações (muito bem espaçados), há inclusive um bailado aéreo (um corpo cadente) cuidadosamente ensaiado em cadência aleatória, mas proposital e sonora, que se apresenta em um sonho cumprido de noite e banhado a boa energia. nem a mais poética das calculadoras pesariam com igual deslumbre a formosidade dos dias doismilinoveanos; foram temperados com ervas sinistras, danadas, purgantes, mas (que bom!) também salutares, naturalíssimas, estésicas, sinestésicas, estéticas e, acima de muito, poéticas...
deixo nesta data minhas mais ardidas saudades de todo o contentamento promovido e das dores provadas. deixo também a nota promissória de novos absurdos e novas vontades já sabidas insaciáveis. devo ao vizinho futuro, não nego, pago com a ousadia!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

coleta seletiva
















de tudo, o mais terrível
é a onda que morreu na praia embaçada
salgada das pedras pintadas de sol
bordando o tapete de cor duvidosa, aerosa

de tudo, o mais sensível
é o choro funesto do amigo de longe
ferido num flanco chamado astúcia
mentiu que voltava, comprou mais sapatos

de tudo, o mais possível
é o vento gatuno de bem de manhã
que esconde o que veio do lado de lá
cheiroso do dia, fedido da vida

de tudo, o mais audível
é a raiva secreta do amor elidido
tocada em nota de teclas quebradas
o coalho no leite azedo de si

de tudo, o mais risível
é o sincero desterro das idéias loucas
no espaço medroso dos olhos do rei
é ver que quem vê perdeu a legenda

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

ciceramente



não vejo por que eu não possa brincar agora com a imagem do outono que se pôs em mim, quando foi preciso reconfigurar o que se ousa chamar de amor. o amor esteve cansado das bocas que nada sabem do fraterno. gritam, gritam, gritam e não sabem cantar. eu vi cantar. eu intumesci. eu vi brilhar o verde que enchia de frescor o tecido dos meus pés impávidos do terreno úmido, de pedras impassíveis. eu vi chover e pensei nos pássaros que se sacodem na copa de árvores farfalhantes. pensei nos seus dedos que explicavam a metafísica da nota sonora-surda. inventei-me visitante dos teus braços caudalosos, que me expulsavam de mim e me faziam pertencente a um coro trágico-grego, esquecido de si, pluralizado nos insetos hidrófilos. era a vida de tudo enquanto, era a vida de teus amigos, de teus discípulos, era a minha vida brigando pra ser um pedaço da tua, era uma pausa no final da linha do riso, buscando o fim do alumbramento, e não se acabava, e não se cansava de ser o enleio dos meus dias fatigados. o amor não é nada daquilo que dizem e desdizem, é aquilo enterrado no teu peito inflado de tanta arte, nos teus olhos translúcidos da mais sincera vontade de que o rio do meu pensamento venha lamber os teus ouvidos saudosos da palavra suave. os segredos por ti encerrados em meus tímpanos virginais só os fazem mais virginais ainda, e dispostos de um lustre capaz de cegar o mais fiel dos amantes. é teu meu espírito indignado com o desencontro natural das mentes ansiosas. são tuas minha simplicidade e minha simples idade. disponha o pouco que sou na dízima periódica dos teus futuros anos, e não terei nunca benefício mais bem concedido e impagável. se tu soubesses o festival que me foi proposto com tua chegada, ciceramente, seria preciso renomear todas as coisas e criaturas dispostas no manto da terra, para depois dizer que o amor foi coisa que tu inventaste como pretexto para fazer escorrer as mais perfumadas singularidades de ti. tenho dito, creio na tua altivez com cada pêlo do meu corpo, em cada curva intravenosa, com todo o meu recôndito, em todas as minhas células...
[assim sendo, peço que fique e reinstaure o amor]