quinta-feira, 22 de outubro de 2009

déspota esclarecida

cinzenta São Paulo
como cinza são os assentos dos que são tolerados

de vestes justas
espiadas pelos olhos injustos que não vêem mas riem

cheirosa de modernidade
e fede o rio que parou afogado pelo mar que corre
em faixa
múltipla

imunda pelo mundo cão
que se limpa na arrogância de quem não olha para baixo
e abaixa

cercada de janelas
e livres ficam os olhos que não têm o que mirar - [alvo fácil]

passadas velozes, calçadas velozes, buracos velozes
lentamente se adem ao céu, vez por outra pulam pra subir

calada no polvilho do asfalto
barulheira da desordem dos que nascem sem lar, sei lá

alegre nos títulos de mais-mais
escondida do sol tristonho que convida e expulsa
dissolvendo as migalhas migrantes...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

amaríssimo

Alguns dizem por aí que gostar é coisa menor que amar, é um quase lá sem pretenção nenhuma de o ser; apreços que inventam passeio pela memória de quem sente. Mas, ao ler certo romance machadiano, notei que há ainda outra versão de gostar, uma que me parece até mais natural, em comparação ao que até agora foi divulgado; não que a versão do famoso escritor seja a verdadeira, e também não quero conceber que ele tenha tentado persuadir o leitor disso, embora eu tenha; no máximo, achou a questão atraente.
Se o termo fosse inédito e me aparecesse assim com urgência de decodificação, eu diria que deriva de gosto, e que gosto deriva de quem prova. Ora, provar é, e será por muito tempo, a forma mais fidedigna de se conhecer ou descobrir algo. Mas não aquela prova forçosa em que se empenham os desafiantes; uma que se faz com paciência e desapego. Provar é liberar as amarras paulatinamente, como o leite que vasa do seio materno, perfumando e estimulando o sonho ainda pouco complexo dos recém-nascidos. Provar é ir levando gosto, é gostar os pedaços aos pedaços, é brincar de adivinhar quem ou o que carrega este ou aquele sabor, cheiro, textura.
Parece aqui já aparecer uma delicada diferença entre o gosto e o amor: há os que amam, para depois gostar; e então falamos dos que comem com fome demasiada, e nem mastigam nem modelam a porção por medo da dissolução; há também os que gostam, para depois amar; e vejo que esses seguem os processos do parágrafo anterior, posto que já estão (ao menos em tese) eficientemente experimentados das coisas ou seres que lhes vieram como prova; e há ainda os que gostam e amam [não necessariamente nessa ordem] a um só tempo, numa celeuma parecida com indecisão, confusão.
Entre o gostar e o amar, passam o olhar, o cheirar, o tocar, o modelar, o alterar, o enjoar, o desgostar, o comparar, o despertar, o duvidar, o mastigar, o confirmar, o abandonar, o processar, o filtrar, o apaixonar, o falhar, o suportar, o delirar... e até mesmo o adoecer, que não termina com o ar, mas precisa dele [nunca necessariamente nessa ordem].

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

poeminha ordinário [o indício]

eu invejo a mulher de boa vida
que derrama sua beleza grosseira e humildemente montada para homens
grosseiros e humildemente sinceros consigo mesmos
e invejo igualmente os homens, que se iludem que são retos e se dobram para o que lhe é natural
todos participando do teatro sexual


eu invejo a mulher de salto
que equilibra o mundo nos calcanhares e verte um rio de tristezas, às escondidas
sem saber que mundo é esse, o que dele esperar, nem se as pernas vão agüentar
todas orando para um deus encontrar