quinta-feira, 6 de agosto de 2009

do MMs ao SSs

Ao MM, pelo SS, foi feito um convite para ir lá em casa tomar licor de genipapo. Do convite, brotaram questões correlatas. Sentimos então a necessidade de desenvolver certas proposições paisagísticas; da necessidade vieram o desejo e a afronta. Questionado sobre uma personagem que o pôs com sua feição amantada de contente, ele revelou, sempre dizendo a ela própria, como um homem enfezado:


MM: Tu eras uma bailarina cega, deslizando soniferamente por imensos degraus de saudade – tuas mãos se acostumaram a deitar obscuras nas curvas do dia seco. O dia era seco, e seco também era teu silêncio...


SS: Qual planta foi cabresto para o feitio das edificações e de toda a mobília que estão assentadas em sua alma?


MM: Vi o gesto cansado que teus olhos turvos ofereceram ao vazio da sala. Pude ver teu desespero e teu ódio se afogarem num mar de gargalhadas calmas. Vi a ponte que se lançou quando tu abriste as cortinas novas, as pálpebras que remexiam na gaveta carente, o medo que te humilhou quando tuas costas clamaram pelo berço. Senti o gosto de madeira que tua língua jogou em meus ouvidos, a insegurança dos teus dedos tocando a terra virgem, o calado festival dos seios inundando o banheiro, já frio de sentidos.


SS: E o que dela vinha era vacilante?


MM: Tu não estavas morta e estais aqui agora, sustentando com fidelidade o fardo de ser o que sofre – e também o que se deleita. O gosto palpita, o queixo ignora a sensação serena de desabar sentada sem nada dizer. Tu estás inteira, mas inteira em parte, porque teus sonhos desembocam em caminhos tortuosos, porque teus braços tremem de insegurança, pois o calor recebe a flecha bruta e intolerante.


SS: Ouvem-se barulhos de caldos de um rio subterrâneo. São gemidos? São dela? Sabe?


MM: Sei. Alguma fantasia se esconde debaixo das tuas lindas sobrancelhas, tenho certeza que no leito que tu esperas caberá mais paixão que o suor dos teus ombros imunes. Vejo os tropeços e arranhões, mas é a doce sensação de andar com outros pés ao lado que te causam a maior saudade, e são as lágrimas que sempre querem merecer teu rosto... As coisas da tua sina são os mesmos batuques do meu atormento. Navegamos nas mesmas turbulentas águas, traçamos a mesma rota – e demos a caçoar do mapa. E eis que tudo se faria agora – presente, neste instante, em alguma direção: a natureza triunfante dos corpos se enfrentando em pleno dezembro. Deste choque corpulento gerou-se uma manhã branda e cristal, em que eras “uma pequena” a sorrir num vestido branco com girassóis dourados estampados e eu era um “cavaleiro andante” a desbravar mais um cômodo da casa.


SS: Existe alguma areia das desconstruções arranhando os vossos olhos?


MM: Teu sermão era pequeno e meu egoísmo grande – na brutalidade das diferenças o tempo constrói as nossas roupas. Abraçamos a mesma almofada colorida, pintamos com o mesmo pincel, só não demo-nos as mãos, pois estávamos ocupados em acariciar os mesmos calcanhares de outrem. Somos sujos e fiéis. Improváveis, cruéis e vulgares. E também somos o caldo explosivo e descompassado dos anos dourados. Qual será nossa resposta diante da fúria?


SS: Isso, MM, é vez de tuas interrogações; abre-te!


MM: Somos o que não fomos. O que seremos? A natureza me impressiona mais do que a beira da terceira margem. Quero descansar meus livros no teu colo... Tu me deixarias entrar descalço em teus cabelos?


Findo o genipapo, recolhemo-nos cada um à sua respectiva miséria. Ei, MM, obrigado pelo passeio.

Cheiro.

2 comentários:

Mateus Moisés disse...

Tua sutileza faz tranquilidade na densidade das minhas densas palavras. =D

MM.

Bravo disse...

Eu achei que havia carregado ainda mais sua composição...
Mas quem sou eu para censurar suas apaziguadas impressões(?)
Saudades, rapaz.

Abraços!