Ao MM, pelo SS, foi feito um convite para ir lá em casa tomar licor de genipapo. Do convite, brotaram questões correlatas. Sentimos então a necessidade de desenvolver certas proposições paisagísticas; da necessidade vieram o desejo e a afronta. Questionado sobre uma personagem que o pôs com sua feição amantada de contente, ele revelou, sempre dizendo a ela própria, como um homem enfezado:
MM: Tu eras uma bailarina cega, deslizando soniferamente por imensos degraus de saudade – tuas mãos se acostumaram a deitar obscuras nas curvas do dia seco. O dia era seco, e seco também era teu silêncio...
SS: Qual planta foi cabresto para o feitio das edificações e de toda a mobília que estão assentadas em sua alma?
MM: Vi o gesto cansado que teus olhos turvos ofereceram ao vazio da sala. Pude ver teu desespero e teu ódio se afogarem num mar de gargalhadas calmas. Vi a ponte que se lançou quando tu abriste as cortinas novas, as pálpebras que remexiam na gaveta carente, o medo que te humilhou quando tuas costas clamaram pelo berço. Senti o gosto de madeira que tua língua jogou em meus ouvidos, a insegurança dos teus dedos tocando a terra virgem, o calado festival dos seios inundando o banheiro, já frio de sentidos.
SS: E o que dela vinha era vacilante?
MM: Tu não estavas morta e estais aqui agora, sustentando com fidelidade o fardo de ser o que sofre – e também o que se deleita. O gosto palpita, o queixo ignora a sensação serena de desabar sentada sem nada dizer. Tu estás inteira, mas inteira em parte, porque teus sonhos desembocam em caminhos tortuosos, porque teus braços tremem de insegurança, pois o calor recebe a flecha bruta e intolerante.
SS: Ouvem-se barulhos de caldos de um rio subterrâneo. São gemidos? São dela? Sabe?
MM: Sei. Alguma fantasia se esconde debaixo das tuas lindas sobrancelhas, tenho certeza que no leito que tu esperas caberá mais paixão que o suor dos teus ombros imunes. Vejo os tropeços e arranhões, mas é a doce sensação de andar com outros pés ao lado que te causam a maior saudade, e são as lágrimas que sempre querem merecer teu rosto... As coisas da tua sina são os mesmos batuques do meu atormento. Navegamos nas mesmas turbulentas águas, traçamos a mesma rota – e demos a caçoar do mapa. E eis que tudo se faria agora – presente, neste instante, em alguma direção: a natureza triunfante dos corpos se enfrentando em pleno dezembro. Deste choque corpulento gerou-se uma manhã branda e cristal, em que eras “uma pequena” a sorrir num vestido branco com girassóis dourados estampados e eu era um “cavaleiro andante” a desbravar mais um cômodo da casa.
SS: Existe alguma areia das desconstruções arranhando os vossos olhos?
MM: Teu sermão era pequeno e meu egoísmo grande – na brutalidade das diferenças o tempo constrói as nossas roupas. Abraçamos a mesma almofada colorida, pintamos com o mesmo pincel, só não demo-nos as mãos, pois estávamos ocupados em acariciar os mesmos calcanhares de outrem. Somos sujos e fiéis. Improváveis, cruéis e vulgares. E também somos o caldo explosivo e descompassado dos anos dourados. Qual será nossa resposta diante da fúria?
SS: Isso, MM, é vez de tuas interrogações; abre-te!
MM: Somos o que não fomos. O que seremos? A natureza me impressiona mais do que a beira da terceira margem. Quero descansar meus livros no teu colo... Tu me deixarias entrar descalço em teus cabelos?
Findo o genipapo, recolhemo-nos cada um à sua respectiva miséria. Ei, MM, obrigado pelo passeio.
Cheiro.
2 comentários:
Tua sutileza faz tranquilidade na densidade das minhas densas palavras. =D
MM.
Eu achei que havia carregado ainda mais sua composição...
Mas quem sou eu para censurar suas apaziguadas impressões(?)
Saudades, rapaz.
Abraços!
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