quinta-feira, 27 de setembro de 2012

usucapiãO

havia uma criança morando na minha janela
foi embora no meu derradeiro sono.
levantei com um gosto amargo de amanhã
aquela cica que a lágrima rabisca
aquele dia a mais na semana que passou.

de dia, moram dois grilos na minha janela
pra dentro um grita 'dó', pra fora um chora 'si'.
é tanta música nessa casa
que eu nem sei mais cantar um fado
eu só sei ouvir
eu só sei pular com pernas de inseto, rápido.

se é noite, eu não choro
eu não choro mais tarde da noite
eu não rio mais cedo do dia.
mais cedo ou mais tarde, é um furto
é a tomada assombrada do diafragma
é um bicho que rói a ruga do rei da minha cidade natal.

quando li escrito que a parte que me cabe
não cabe mais naquele latifúndio,
foi a reforma sangrária mais párea de mim
que houve.
e que os novos inquilinos saibam muito bem
do mal das novas instalações.
e que os novos moradores nunca se esqueçam
de que o bom mito à casa torna (para renascer).


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

o indizível mora ao ladO


ainda paira no ar um sentimento de engasgo das coisas potenciais
e uma árvore geme o calor da tarde rota
é onde me seguro, é onde vive escuro, é onde morre o muro

pra onde vão todos esses seres sequenciais?
deve haver uma frabriquinha de similitudes
donde brotam igualdades satisfeitas, monocromismos
deve haver algum selo anti-recessividade, anti-antitético

o acaso parou no boteco, pediu uma água com gás
pôs-se a arrotar e pediu a conta da sede;
não satisfeito, sorriu para a garçonete
que entendeu: lugar de imprevisto é onde não se pede


{ dedicado ao meu recesso }



quinta-feira, 1 de março de 2012

tudo vem do vento vem tudO














meu último suspiro explodiu na tua nuca, e não houve porta corta-fogo que isolasse os lampejos daquela transição. foi você que soltou da minha mão, soltou sim, que senti grosso vento gélido lambendo os meus pés, abrindo os meus tímpanos, encrespando as minhas sobrancelhas. ouvi do terreno barulhos mecânicos irritadores da celeuma semanal, dancei tangos militares, levei empurrões, arrancaram-me a banda. e aquilo tudo deslizava para um não-sei-quê curioso, em que atuavam a minha saudade e a minha angústia, donde vinha poeira besta, para dissimular o acende e apaga dos dias e das noites. nisso se passou para lá de uma centena de semanas, às vezes desenterravam-se décadas, estas vinham cheirosas a vontades de infância, dissolviam os meus dedos, de modo que tudo ou era o pincel ou era a pintura. nem saudade da Aurora nem de Pasárgada, estanquei lágrimas de Portugal, destratei anjos tortos até me endireitar.

[dedicado ao déjàvu do rompimento]