quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

passado de presentE


Sou um homem sem memória, portanto, um homem sem passado. É como se os fatos fossem quadros recém-roubados, nunca recuperados, somente com a idéia primeira despertada pelo contato; de sobra, nem mesmo o trauma da perda, só mesmo a propaganda do roubo. Outrora, valiam um pedaço do céu e uma fração da terra, agora, passou.

Pelas minhas contas, o ano durou bem mais que três centenas e meia de dias, durou a eternidade de uma dor de cabeça crônica, de um esquecer de si admirando uma paisagem desinteressante pelo quadrante da janela do coletivo, de uma viagem entre o veio de páginas do início de um livro coalhado de teorias sobre a linguagem, de passos descoordenados na fila do tristonho serviço de servir refeições no bandejão, de uma reflexão sobre o que fazer quando nada mais há o que fazer antes de um teste, de uma dúvida entre garimpar o conteúdo pornográfico da grande rede ou consultar a etimologia de algum lugar-comum, de uma saudade de um bom sexo praticado em recompensa ao ócio de um coração apagadinho, de uma ira tola despertada pela igualmente tola soberba de um cigarro que degrada, de um deleite advindo da prosperidade de uma amizade acidental, de um passeio pelo elevador com o perigo iminente da invasão de uma mente (por que calam? e o que calam?); enfim, o ano durou a eternidade de uma vontade de fugir da eternidade.

De um ano aerado de hiatos e esperas, filtrei que quanto mais pratico o que nasceu e se desenvolve comigo, mais sossego carrego em minhas pretensões. Foi um ano em que mastiguei por demais alguns comportamentos e, por fim, restou a ressaca. Para quem não tem um fígado saudável, qualquer porção de amargo é suplemento para continuar embebido no objetivo de dissolver a realidade.

Esquecendo-se um pouco a racionalidade, abusa-se de palavras pouco frutíferas e muito mais ilustrativas e supérfluas. Bom, fica esse como sendo o saldo.

Um comentário:

Sir Gil disse...

O bom da coisa é que tuas palavras assaz tediosas não maldizem nem bendizem o teu passado no presente, mas renegam o mesmo ao que já foi e anseiam pelo que será, sendo que o "FOI" não te pertence mais, ou ainda, o SERÁ imprevisível, idem , em favorecimento do presente, único tempo real que que tu tens a opção de sorrir ou de chorar...

Não existem homens sem memória, mas homem incapazes de contá-las...Tu és nada mais nada menos que a soma de tuas lembranças, inconscientes ou não... Cada um guarda, salvo melhor juízo, o que melhor lhe cabe no parco tempo de uma existência...

Assim é a vida. Nada mais que isso. Momentos de choro e risos, alternados de acordo com a vontade do freguês...Sim, porque é possível sorrir, mesmo na dor...

O resto é balela, palha que o vento leva...