quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

impressão e expressão *

Os filmes de ficção tentam divertir os mais céticos com cenas em que duas personagens sempre discordam quanto à existência de seres ou atividades extraterrenas. É bem verdade que no filme alguém sempre acaba se dando mal por duvidar dos alertas, notadamente por serem absurdos demais, e os videntes, loucos. Mas o que seria o absurdo? E mais, o que seria a loucura? O que mais enlouquece, o que se vê ou que não se vê?

O que aconteceu com uma garota de Missouri (EUA) me faz acreditar que o que não se vê é bem mais perigoso que o tangível. Megan Meier contactou um perfil virtual, através de um site que funciona como uma rede social virtual, e desenvolveu uma amizade por este perfil chamado Josh. Este, durante mais de um mês, alimentou a amizade de Megan. Tempo suficiente para fazê-la acreditar que uma palavra amarga poderia estragar tudo, e foi o que ele fez, acabando com a amizade. Ao ser chamada de "cruel" por Josh, a garota de apenas 13 anos enforcou-se. O acordo não era a corda, aquele era virtual, esta não.

Dando o devido desconto pelo fato de que Megan sofria de DDA e depressão, é possível trazer à tona a análise de que há coisas que só tem explicação e confirmação nos próprios mistérios cerebrais. Se somos capazes de amar ou odiar quem nos dirije a palavra, não importando se o que nos separa são centímetros ou quilômetros, não é estranho que todos os sentimentos sejam forjados no calor (ou no frio) dos ventos e das palavras. A cortina que atrapalha a visão que temos uns dos outros é a mesma que se abre para que consigamos alcançar nossas mais egocêntricas aspirações. O referencial para o que chamamos de real ou ilusório é mera jogatina do social.

Lembremos os casos de adoção, de adoração e até os de adultério. Nos primeiros, os elos estão presos pela esperança de que o outro é parte desprendida e perdida do que escolhe: há um pedaço de mim no que a mim naturalmente não pertence. Na adoração, a visão do resto é restrita a um foco: eu preciso acreditar no que acredito porque este é o que melhor me define e me preenche. Já no adultério, é luta vencida tentar explicar ao corpo que ele é o dominado, não o dominador: devo "ser" com alguém, mas não sei nem quem sou nem como serei, e me perco.

Não há loucura maior do que acreditar que a loucura é produto do que está fora. A loucura é fruto da ilusão. A ilusão está no que imagino ver, ouvir, cheirar, gostar, sentir, imaginar. Se meu corpo é o que me identifica, e o que me identifica é repleto de absurdos, o limite entre a expressão e a impressão é também o meu limite. E só eu sei dele. Quem sente pode mentir para o que está fora, mas nunca para si mesmo.

*originalmente publicado em 01/12/07

2 comentários:

Sir Gil disse...

O que nunca vamos saber é onde é plantada a semente da ilusâo...Seria no plano do que ilude ou no que de quem é iludido??? Viver, em si, é uma grande ilusão!

Bravo disse...

um pedaço cá, outro lá, acredito. está feito o encanto quando as partes se juntam.
não, viver não é uma grande ilusão, os outros é que gostam de nos desmentir em excesso, rs rs.
abraços!